Artigo nº 026 - teórico
De modo capitalista de produção a modo de destruição das forças produtivas (Parte 2)
“A onda do neoliberalismo é o espasmo final de um modelo inviável, fracassado, incompatível com uma vida digna para o nosso povo e com a nossa própria existência como nação. Podem escancarar o país, podem entrega-lo mais e mais ainda à exploração internacional, podem até chegar ao ponto de afirmar que os brasileiros são incapazes de assumir seu próprio desenvolvimento; só o que irão conseguir será o agravamento da crise e da dependência” (Leonel Brizola)
19/03/21 (atualizado em 09/04/21) - Segundo informou a RT (https://actualidad.rt.com), “um estudo do Pew Research Center estima que 54 milhões de pessoas deixaram de fazer parte da classe média no ano passado, enquanto cerca de 131 milhões ficaram pobres”. O Estudo, feito a partir da base de dados do Banco Mundial, considera como classe média as pessoas com renda média entre 10 e 20 dólares por dia (ou entre 55 e 110 reais por dia).
A categoria de “classe média”, por se basear em uma definição quantitativa, acaba omitindo as diferenças qualitativas existentes entre aqueles que são pequenos burgueses, microempreendedores (uma espécie de subempregados momentaneamente bem sucedidos) e assalariados bem pagos (aristocracia operária). Ou seja, o conceito não respeita um importante dado da realidade: a existência das classes sociais e, assim sendo, também as contradições existentes entre estas duas classes fundamentais, sem falar das frações que compõem essas classes.
Contudo, a pesquisa (temos que lembrar que é encomendada por banqueiros internacionais) serve para dar uma ideia de como vai o processo de proletarização no mundo, processo esse que resulta da conhecida Lei de Acumulação Capitalista, descoberta e estudada por Karl Marx, onde no capitalismo o número de pobres aumenta mais e mais à medida em que uma massa de riqueza cada vez maior se concentra num punhado cada vez menor de ricos. Segundo a mesma pesquisa, de 2019, “no total, há cerca de 1,34 bilhão de pessoas que integram a chamada classe média”, o que equivale aproximadamente à população da Índia, que gira em torno de 1,38 bilhão.
Levando em conta que a população mundial girava em torno de 7,5 bilhões de habitantes no mesmo ano, teríamos aí algo em torno de 17,8% da população mundial formando a dita classe média.
O estudo aponta que, em virtude da pandemia, “cerca de 131 milhões de indivíduos passaram para a categoria de pobres” (definidos como aqueles que recebem até 2 dólares por dia: ou, traduzindo em moedas nacionais, que recebem até 11 reais por dia).
Entre as regiões mais afetadas por esse empobrecimento estão o Sul da Ásia e o Leste Asiático, juntamente com a região do Pacífico, que perderam retrospectivamente 32 e 19 milhões de pessoas de classe média.
E claro: isso “interrompeu o crescimento econômico visto nos anos que antecederam a pandemia”, afirma o documento. A África Subsaariana e a Índia tiveram o maior aumento da pobreza.
Por outro lado, a CEPAL acaba de publicar a mais nova edição de seu informe anual “Panorama Social da América Latina”, onde mostra que o total de pessoas pobres ascendeu a 209 milhões em nosso continente em fins de 2020. Na apresentação, Alicia Bárcena pontuou que “a pobreza e a pobreza extrema alcançaram, em 2020 na América Latina, níveis que não foram observados nos últimos 12 e 20 anos, respectivamente”. Isso equivale a 22 milhões de pessoas pobres a mais que no ano anterior.
É claro que estamos vivendo um momento de grande concentração de capitais, que já vinham se realizando por conta das políticas neoliberais que o próprio Banco Mundial (juntamente com o FMI), vinham implementando mundo afora. Não dá para pôr toda a culpa na pandemia. Mas é evidente que a pandemia está mesmo a intensificar esse processo de proletarização, onde os governos mais corruptos (ou seja, mais descaradamente neoliberais) estão aproveitando a crise sanitária para “passar a boiada”.
Aliás, o termo “passar a boiada” se baseia numa prática corrente entre os boiadeiros, que, antes de passar seu gado por um rio que tem piranha (voraz peixe carnívoro), oferece em sacrifício num ponto mais distante, uma rês sangrada a corte de facão. Aplicada à economia, significaria passar a riqueza pelo rio da crise, apelando para o sacrifício social.
Mas o que o Banco Mundial (BIRD) não disse foi que a pobreza cresce por conta do seu receituário.
Melhor dizendo, a pobreza cresce com as privatizações que eliminam empregos estáveis e bem remunerados, além de eliminar o controle nacional da produção de importantes fontes de matérias-primas e produção de riquezas.
A pobreza cresce porque “passar a boiada” significa transformar empregos com cobertura das leis trabalhistas em trabalhos terceirizados, precarizados ou uberizados (isentos de qualquer legislação que proteja os trabalhadores dos abusos patronais).
A pobreza cresce porque carradas do dinheiro arrecadado via impostos pelos governos subservientes tem que ser utilizado para pagar dívidas impagáveis aos mesmos banqueiros internacionais, sacrificando e espremendo o orçamento público destinado à saúde, à educação básica e superior, à pesquisa, aos transportes públicos, à moradia e à segurança (que aliás há muito deixou de existir para os pobres), além da usurpação de outros direitos fundamentais das já tão carentes populações de todo o mundo.
A pobreza cresce quando, ao não podermos mais dispor dos serviços públicos fundamentais, somos obrigados a pagar ao setor privado aquilo que deveria ser um direito. Essa bitributação eleva o preço que a classe mais pobre tem que pagar por esses bens e serviços: água, gás, eletricidade, telefonia, acesso à internet, gasolina, diesel, planos de saúde, vacinas, seguros de todo tipo, pedágios, segurança e educação... já que aí tem que estar embutido também o lucro das empresas privatizadoras.
A pobreza cresce quando, para compensar as perdas internacionais (que se refletem no desequilíbrio da balança comercial de países dependentes), esses mesmos países (pobres porque dependentes) tem que vender suas riquezas (petróleo, soja, milho, feijão, arroz, milho, gás, óleo de cozinha etc.) aos países ricos a preços baixos. Para obter esses preços baixos no exterior, a nossa moeda nacional tem que ser desvalorizada (superaremos os R$ 6,00 por dólar muito brevemente). Isso gera inflação interna, que gera o aumento do custo de vida (aumento dos preços dos produtos essenciais nos supermercados) e “a fome nossa de cada dia”.
A pobreza cresce quando governos subservientes e cúmplices do saque internacional optam em NÃO atender a população que morre à mingua nas filas dos hospitais à espera de UTI, medicamentos, anestésicos e balões de oxigênio ou quando se recusam a tomar medidas humanitárias radicais para salvar vidas (como seria a decretação de um “lockdown” nacional, o uso obrigatório de máscara, um auxílio emergencial substancial e compatível com o caríssimo custo de vida que vivemos, associado à compra massiva, urgente e sem burocratização e ideologização de vacinas para combater o covid-19 antes que surjam mais e mais variantes).
A pobreza cresce também quando os poderes legislativos e judiciários vacilam em abrir ou propor um processo de impeachment ao líder de um governo que patrocina e desenvolve uma política declaradamente genocida (= ultraneoliberalismo).
Enfim, a pobreza cresce quando o mercado é visto como algo mais importante do que a vida e daí não caber o “lockdown” (isolamento social massivo), por exemplo, mas só medidas restritivas que o coronavírus ignora e "ri" (ao modo do inominável).
Para entendermos o delicado momento em que passa o mundo, há de se perceber, com o auxílio de Marx, o enorme desequilíbrio causado pela própria lógica de desenvolvimento do capitalismo. Marx, ao estudá-lo, percebeu que a crescente composição orgânica do capital (expresso na fórmula C.O.C.=c/v) aumentaria cada vez mais (a longo prazo) o sacrifício proletário (que por ser maioria é social), ou seja, o sacrifício do mundo do trabalho e da vida humana, sem falar no sacrifício da natureza mesma, como um todo.
A fórmula da Composição Orgânica do Capital (C.O.C) é capital constante (c) dividido por capital variável (v), onde capital constante (c) é o custo desembolsado pelo capitalista na compra de matérias-primas, máquinas, e (hoje poderíamos acrescentar) computadores e aplicativos inteligentes (IA). E capital variável (v) é a massa de dinheiro desembolsada na compra de força de trabalho (pagamento de salários).
Neste ponto, devido a fatores como a competição intercapitalista, Marx observa que o investimento em capital constante (maquinários e matérias-primas) tenderia a crescer cada vez mais em relação ao volume total destinado ao capital variável (pagamentos de salários).
Enquanto o aumento da maquinaria e da tecnologia (c) potencializaria cada vez mais a produção de mercadorias, gerando uma crise de superprodução, o cada vez mais baixo investimento em capital variável (v), achataria os salários da classe operária e trabalhadora, gerando uma crise de subconsumo. Como resultado do cruzamento dessas duas variáveis (diametralmente opostas) teríamos o que ele chamou de “tendência decrescente da taxa de lucro”.
O proletariado, embora cada vez mais populoso (como mostram as pesquisas vistas acima), por estar cada dia mais empobrecido, não consegue dar conta de consumir toda essa superprodução de mercadorias que são despejadas anarquicamente nos mercados de todo o mundo. Numa tentativa de aumentarem suas vendas ou de reaverem parte de seus lucros, os capitalistas têm de lançar mão de uma série de artifícios, tais como demitir trabalhadores, precarizar os postos de trabalho, aplicar em tecnologias (robótica e Inteligência Artificial), vender mais barato para poder vender (auferindo menor taxa de lucro), vagabundear os produtos (usando matéria-prima de quinta categoria) para baixar custos, promover a obsolescência programada, implementar IA, privatizar boa parte do Estado burguês, terceirizar e quarterizar serviços públicos ou privados e as próprias tarefas produtivas, partir para a acumulação primitiva (capitalismo ilegal) para obter dinheiro ilicitamente e retornar ao mercado legal, obter créditos financeiros arriscados ou se associar aos bancos para a obtenção de empréstimos com juros mais baixos...
Outro importante resultado desse processo é que o aumento do potencial tecnológico demanda uma maior extração de recursos naturais (para formar o capital constante, como vimos), o que vai gerando a destruição abusiva da natureza que estamos a assistir. Para complicar a situação, temos visto um aumento vertiginoso (trilionário) dos investimentos em espaço-naves, telescópios, supercomputadores, robôs e satélites, numa tentativa de abrir um novo processo de colonização extra-terrestre capaz de dar uma sobrevida ao falido modo de produção capitalista.
Contudo, terminemos com as palavras do próprio Banco Mundial: “Em janeiro de 2020, com o surgimento de relatórios sobre o novo coronavírus, o Banco Mundial previu que a economia global se expandiria 2,5% naquele ano. Em janeiro de 2021, com a pandemia ainda segurando grande parte do mundo em suas garras, o Banco Mundial estimou que a economia global contraiu 4,3% em 2020, uma reviravolta de 6,8 pontos percentuais”.
Renato Fialho Jr.