Artigo nº 003 - crônica social

O Metrô: o buraco em que nos enfiamos - 3ª parte

Como dizia, saquei da pasta a tiracolo a leitura que, habilmente, havia escolhido na noite anterior. Entre papos-furados e conversas convidativas, tratei de iniciar minha penetrante comilança de letras, palavras, frases, parágrafos, capítulos, até o destino que me era imposto pela necessidade mórbida de ter de trabalhar. Estava eu, então, próximo de me concentrar quando o som do alto-falante se pôs a nos lembrar, como o faz todo-o-santo-dia:

– “DIM-DOM! Os bancos de cor laranja são destinados a pessoas com necessidades especiais, gestantes, idosos, pessoas com crianças de colo e portadores de deficiência: ceda o lugar!”.

Aguardei o término do maldito slogan para retornar para a minha digníssima leitura... Pus-me a ler em seguida e, quando estava para terminar o primeiro parágrafo do capítulo que iniciava:

– “DIM-DOM! Próxima estação, Engenheiro Rubens Paiva, desembarque pelo lado esquerdo. Next stop, Engenheiro Rubens Paiva station”.

Mal tive tempo para respirar, quanto mais para pensar, quando o desgraçado do alto-falante se impôs, novamente insolente, a solapar a cultura:

– “DIM-DOM! O metrô destina carros especiais para as mulheres no horário de 6 às 9 da manhã e de 17 às 20 horas. Carro das mulheres. Respeito é bom e elas merecem. Respeitar a lei é uma questão de Cidadania”.

Naquele instante então a minha paciência se esgotara. O meu senso de democracia, de dignidade e de cabra-macho tinha sido completamente pisoteado, destroçado e humilhado. Foi quando iniciei a pensar como se tornara chato viajar de metrô. Logo eu, usuário assíduo desde sua inauguração. Logo eu que sempre fui um ardoroso adepto deste meio de transporte tão verdadeiramente de massas, limpo em quase todos os sentidos: organização exemplar, asseio, energia elétrica (não poluente).

Sim! Naquele preciso instante me senti, pela primeira vez em tantos anos, num ambiente metroviário sujo, indigno, desigual, repleto de “energia negativa” e desonroso.

Era a primeira vez que ouvia aquele “gracejo”. Era uma frase tão inédita quanto repugnante. Mas era a expressão da mais pura (ou raça pura) verdade: a câmara dos deputados, rasgando o artigo 1º da Constituição de 1988 que diz: “todo homem é igual perante a lei”, aprovara uma lei que se baseia na diferença, que outorga privilégios sexuais, que discrimina por gênero e atacado.

(continua...)

Renato Fialho Jr.