Artigo nº 004 - crônica social
O Metrô: o buraco em que nos enfiamos - 4ª parte
Aliás, como dizia, numa dessas leituras de metrô, percorri um artigo muito interessante de Aijaz Ahmad intitulado “Cultura, nacionalismo e o papel dos intelectuais”. O artigo é parte de uma coletânea organizada por E. M. Wood e J. B. Foster, cujo título é “Em defesa da História: Marxismo e pós-modernismo”, publicado pela Jorge Zahar Editor. Num determinado trecho do artigo, Aijaz assim se coloca a respeito dessa história de minorias: “O que estou tentando dizer... é que o egoísmo coletivo de comunidades separadas não constitui talvez uma grande melhoria sobre o egoísmo histórico do homem burguês, e que precisamos de formas de política que formem seres humanos em sua heterogeneidade e universalidade”.
Fomos vítimas, assim, repentinamente e às vésperas das eleições gerais, desta autêntica e perigosa demagogia, baseada no “egoísmo grupal de identidades diferentes”. Se ao menos os gentis-homens, os nobres-deputados, os filhos de uma égua (e que me desculpem as éguas) viajassem todos os dias de metrô! Mas, não! Somos nós, os zés-manés, os ludibriados trabalhadores, os espezinhados estudantes de dantes que temos de submeter nossos saturados ouvidos a mais esta destemperada política da mesquinhez.
A razão alegada, de tamanha irracionalidade, é que a lei visa proteger as mulheres dos “assédios masculinos”. Descobri então que acabava de ser posto, à força, na classe dos tarados e meliantes: dos mal-educados, dos que desconhecem o respeito-mútuo e a solidariedade como forma de vida. De supetão, a imensa maioria dos homens foi incriminada por um crime que jamais cometeu. Aceitaremos pagar este pato?
Ora bolas! Freqüentador assíduo do metrô há anos, mais de 25 anos, eu vi apenas uma única cena de assédio, que, diga-se de passagem, foi imediatamente reprimida com vigor inclusive exagerado por um cidadão que presenciava a cena. Lembro-me bem de que o carro estava bem cheio e não sei informar como foi possível abrir tão expressivo clarão quando os dois começaram a contenda. O cara, que “não era cabra, mas percevejo” (peço licença a Sérgio Ricardo e Carlos Drummond de Andrade), foi posto pra fora à ponta-pé assim que o trem parou e abriu às portas na estação de Irajá.
Mas, se o distinto público me conceder um aparte de paciência: será que a questão aqui não é justamente de falta de cidadania? Bem! Penso que todo mundo sabe que cidadania é uma conjunção de direitos e deveres, e não é por acaso que a palavra “direitos”, no plural, vem abrindo o desfile. Quero com isso dizer que: se tivéssemos o direito à Educação garantido a todos, não só através do acesso à escola, mas através do acesso a um ensino público, gratuito e de qualidade, não teríamos a alegada falta de respeito! Enfim, se a “maravilhosa” idéia é a de nos retirarem direitos, é preciso aumentar os deveres (criar mais leis para reprimir os cidadãos “capengas de direitos”). Sim, as leis são os deveres. E que cidadania maldita é esta que nos pede tantos deveres quanto mais direitos nos tiram?
E pra terminar essa viagem pelo buraco-negro, essa lei parece beneficiar interesses espúrios, o que tem se tornado um triste hábito no Brasil: os interesses do consórcio monopolista que arrematou o “direito” (e os capitalistas estão cheios deles) de explorar a concessão metroviária. A fim de transformar usuários do metrô em “sardinhas em lata”, nada melhor que preparar um carro especial para as “sardinhas fêmeas”: o vagão das mulheres se transformou no vagão mais desconfortável de se viajar. E, o que parecia respeitar as mulheres, está sim, as desrespeitando, discriminando-as. Isso me lembra aquelas desrespeitosas filas de idosos espalhadas em todo o país, onde o idoso fica horas na sua fila (presente grego?), enquanto nos caixas comuns as pessoas em geral são atendidas rapidamente. Mais um tiro a sair pela culatra... Ah! Antes que eu esqueça. O mesmo vale para os bancos de cor laranja do próprio metrô: canso de assistir adultos e jovens sentados indiferentes em seus bancos verdes quando os bancos laranjas estão lotados de idosos, gestantes... O banco verde é meu, pensam as pessoas em geral.
Fala sério! Que mundo é este que estamos criando? Até quando permitiremos leis que desrespeitam as maiorias e, por tabela, as próprias minorias que alegam defender? Tudo dentro de uma política que promove o isolamento social e nos faz lembrar as experiências mais estúpidas (Apartheid, nazifascimo) da pré-história humana que ainda vivemos.
Para finalizar, vale perceber que o deputado e pecuarista que criou a ridícula lei do carro das mulheres, "respeito é bom e elas merecem", um tal de Jorge Picciani, é do mesmo partido da mãe-loura do funk, que faz tudo para colocar a mulher, depois de todas as conquistas obtidas no século XX, novamente na condição de mulher-objeto: ora como vegetal (melão, melancia, moranguinho, abobrinha), ora como animal (vaca, égua etc.), ora feito coisa ou pedaço de algo (filé, caviar, bunda). E para completar a burrada, puseram as bundas na gaiola (gaiola das popozudas). Que incrível visão de liberdade tem esses senhores: a mesma visão que os senhores de escravos tinham de seus escravos. Enfim, resta ao povo vegetar ou pastar!
Renato Fialho Jr.