Artigo nº 005 - crônica social

tempos doentios

Não tenho dúvida. Vivemos tempos doentios. Mas, o maniqueísmo que nos castiga há séculos, e que infelizmente segue em voga, sugere a procura de bodes expiatórios. “Quem são os doentes?”, perguntam algures.
Há aqueles que preferem aprisionar a culpa no homem enquanto ser genérico. Optam, ao assim fazê-lo, pela idéia de uma essência humana única, universal, indestrutível, que encapsula a todos com seus adjetivos pejorativos e indefectíveis: “o homem é egoísta por natureza”, advogam muitos. “O homem é carregado de vícios, logo incorrigível, defeituoso, pecatoribus”, sacramentam outros.
Essa lógica a-histórica também se aplica na segunda forma de perceber o fenômeno: que consiste em acusar determinados indivíduos como se fossem degenerados. De acordo com esta visão, o ser teria nascido munido de uma essência única, genética, estabelecida aprioristicamente para o bem ou para o mal. Está ancorado no pré-conceito de raça, pois raça nunca foi nem será um conceito científico. “Aquele cabra é sangue bão!”, dizem muitos. “Ah, ‘isso’ aí já nasceu estragado!”, afirmam outros. “Ah! Isso é cármico!”, sacramentam ainda outros.
Em ambos os casos, percebe-se um julgamento sumário, que embebeda a discussão com seu tom “definitivo”. É a velha metafísica que prefere encobrir a realidade com dogmas e mistérios indecifráveis, que ama a mística - este apelo a tudo que é infantil, lendário, irracional e supostamente sobrenatural. Esses fabricantes de ilusões são preguiçosos e amam absolutizar tudo. Afugentam-se de tudo que tenha aparência e assomo de realidade.
Mas, é preciso pôr as coisas em seu devido lugar e, para tal, necessário se faz observar metodicamente a natureza que nos cerca e da qual somos partes, mais ou menos, conscientes. É claro que tudo possui uma essência material, tão absoluta quanto relativa. Essa condição de existência, material, está condicionada ao eterno mover-se: o processo dialético, histórico, inerente a tudo e que une e interliga todos os processos físico-químicos, biológicos, econômicos, sociais, culturais, políticos...
Mas, voltando à vaca-fria, como explicar nossos tempos doentios? A resposta está na nossa capacidade de enxergar o fenômeno onde ele acontece. E a resposta é lógica: quem olha a árvore (o indivíduo) não vê o bosque (a sociedade e seu modo desigual de ser doentio, que divide e adoece os seres humanos até esfacelá-los, desconstrui-los em vida). E toda a história humana pode ser sintetizada nesse esforço incessante, nessa luta permanente, rumo à humanização da sociedade e do indivíduo, onde a bússula orientadora de todo o processo é a união, cada vez mais consciente, de todos os povos até a eliminação de todas as diferenças que sejam suplantáveis posto que gestadas social e historicamente.

Renato Fialho Jr. (JAN/2010)