Artigo nº 012 - crônica social

a coleira infantil e a cólera de quem vê...

26/06/12 - Confesso que odeio shopping center. Mas, na vida, nem sempre é possível fazer o que gostamos durante todo o tempo e além do mais não fui eu que inventei essa história de que tudo que se precisa para viver deve ser comprado por muitos (e apenas vendido por uns poucos). E, sendo assim, lá estava eu, aliás nós, no Barra Shopping, a fim de verifficar alguns livros que precisava comprar. É que fui com minha esposa e filha que aproveitaram o ensejo para sondar outras tantas necessidades mercantilizáveis.

Andávamos então pelo corredor do Barra Shopping que dá acesso ao New York, shopping vizinho cujo símbolo é uma réplica da célebre Estátua da Liberdade, quando avistei, vindo da 'zona livre', um bebê de cerca de dois anos, com uma coleira presa em seu pulso.

Ficamos todos boqueabertos, assustados e indignados sobretudo ao reparar no ar de satisfação do pai da criança, ao ter sobre o menininho um controle quase absoluto. Quando a criança se distanciava dele, ele a puxava como é usual que se faça com um cachorrinho de estimação. Talvez a satisfação paterna decorresse também do fato de todos estarem olhando para ele e seu 'bichinho de estimação'. O evento chama de fato muita atenção. E havia olhares e olhares. Alguns olhavam com reprovação, outros até acharam engraçado, conforme sua inclinação libertária ou aristocrática.

Quando pensamos que já vimos de tudo, batemos de frente com mais este tipo de barbárie. A primeira coisa que me veio à cabeça, ao ver tão indignante situação, foi: se um cidadão é capaz de fazer isso com seu próprio filho, o que será capaz de fazer com o filho dos outros ou com um adulto ou idoso, ou com seus empregados (caso ele os tenha)?

Pesquisando melhor, observei que, se a 'coleira infantil' é uma novidade por aqui, já é prática cotidiana em Orlando, na Flórida. Li na internet, que é muito comum o seu uso pelas dependências da Disneylândia há pelo menos 20 anos. Há inclusive as mochilinhas (eufemismo para coleira) do Mickey e da Minnie, espécies de peitorais 'enfeitados' e disfarçados. Para os que ainda não viram a mais nova crueldade do mercado, digite 'coleira infantil', num desses mecanismos de busca e clique na opção 'imagens' (caso haja esta opção). Verão que há também as 'coleiras de punho', uma coisa assim bárbara. Para os curiosos e ansiosos: clique aqui.

Sem dúvida alguma, a família burguesa (em processo final de extinção) não quer mais se dar ao luxo de educar seus filhos, de dar a devida atenção às crianças. Os filhotes precisam estar à reboque, presos aos pais, só que à distância. Diga-se de passagem, pais estes cada dia mais preguiçosos, sedentários e cibernéticos. O que custa dar aquela corridinha atrás da criança que escapuliu de suas mãos? Isso me lembra universidade à distância, controle por câmera da babá e da criança (uma espécie de BBB do bebê!) e coisa e tal.

Se essa tendência continuar, vislumbro já o futuro: crianças sendo levadas à base da coleira para a escola (que passará a adotar ração no lugar da merenda), pais dando nome de 'Rex' aos seus filhotes. Brincadeira de arremesso de osso (- pega, totó!) e pais levando seus cachorros (aliás, filhos) ao poste (foi mal: ao banheiro!) da rua.

Que surpresas ainda nos reservam o mercado capitalista? Que novas concepções educacionais burguesas aflorarão nos próximos meses ou anos? Quanto à 'coleira de criança' resta apenas a colera de quem vê? Aliás, por onde anda a justiça que não vê essa injustiça? Por que ela não tira a venda que lhe cobre os olhos?

Renato Fialho Jr.