Artigo nº 001 - teórico

Identidade e sofisma: a base filosófica da pretensão pós-moderna

Pré-socrático da escola itálica, Parmênides de Eléia (510-470 a.C.) foi discípulo do pitagórico Amínias, muito embora Aristóteles tenha levantado a suspeita de que o mesmo pudesse ser discípulo de Xenófanes.

Parmênides foi o criador do princípio da identidade ou da não-contradição, cuja síntese se expressa na seguinte frase: “ou uma coisa é ou não é”.  Ou: “o ser é; o não-ser não é”. Parmênides refutou o papel dos sentidos como fonte de conhecimento e julgou impossível compreender o movimento. Via assim os sentidos e o movimento como parte do mundo das aparências e das ilusões. Desta forma, propunha, como fará mais tarde Descartes, a razão como única via de acesso à verdade, à coerência e à essência.

O princípio da identidade está associado a sua preocupação com a ordem. Considerava como elementos caóticos os sentidos, a asserção negativa e a contradição e, nesses termos, foi um crítico contumaz dos pitagóricos e, em especial, do principal representante da escola jônica: Heráclito de Éfeso (“o pai da dialética”).

Sobre o filósofo de Eléia, afirmara Plutarco: “Parmênides manteve a ordem no seu próprio estado com leis tão admiráveis que o governo, todos os anos, fazia os cidadãos jurarem que continuariam fiéis às leis de Parmênides”.

É possível assim perceber que Parmênides, fiel ao espírito escravocrata de então, lançou as bases do pensamento conservador. Era preciso manter a ordem socioeconômica e política vigente e, para tal, lançou mão do argumento filosófico (a filosofia grega surge na verdade nas colônias gregas: Magna Grécia e Jônia), já que a mitologia (ou religião pagã oficial) já não mais dava conta de explicar o dilatado e ampliado mundo grego. Com isto, Parmênides propõe a afirmação (conceitual, classificatória) em detrimento à negação (crítica, perigosa, revolucionária); o estável ao instável; o consenso ao conflito; a dedução à indução; o princípio da não-contradição ao princípio da contradição; a idéia de deus ao invés do movimento como princípio criador e contraponto natural da matéria; logo, a identidade à dialética. Alias, há aí um grande problema. A identidade, fundamental para classificar o mundo, não dá conta de explicá-lo em sua dinâmica, o mundo real em movimento, as leis do movimento, seja este movimento de que tipo for: físico, matemático, químico, biológico, social, econômico e histórico.

Tratava-se de definir o ser, sua essência, de re-estabelecer os limites de tudo. Tratava-se de legitimar e impor um império, de eliminar o pensamento que reverenciasse o conflito, criar uma espécie de identidade entre os diferentes ou entre os diferentes domínios gregos, de separar, de definir, de partilhar, de criar ordem, regras, leis.

Outra raiz do pensamento pós-moderno encontra-se na Grécia Antiga: o sofismo. Os sofistas foram os pseudofilósofos, ou seja, figuras que, através do uso da retórica e da argumentação formal e sem escrúpulos, buscavam convencer os ouvintes da “veracidade” de qualquer idéia, mesmo que falsas (vendiam gato por lebre, mentiras como se fossem verdades). O sofismo foi um fenômeno oriundo do surgimento da democracia grega, das assembléias públicas, que incitavam à discussão de nobres e plebeus: os não-escravos. Foi também fruto da política externa imperialista ateniense.

Essa falta de compromisso com a verdade, essa filosofia do dinheiro só podia se basear no uso pueril da retórica e da escrita. Através do argumento malicioso, o sofista, este ser vil e venal, se enche de frases feitas e palavras difíceis. Ao invés de esclarecer, o sofista prefere envolver, fixando-se no limbo, na penumbra e nas opiniões (as doxas) na qual ele é mestre em manipular: opta pela doxologia ao invés da filosofia.

O sofisma é a arte da avidez, da técnica sofisticada, da beleza vazia, do falar sem dizer, da aparência destituída de conteúdo: é o autêntico mundo das aparências, que tanto imaginara Parmênides. O sofisma é a falta de razão, ou o seu uso indevido, egoísta e pragmático. É relegar a necessidade de provas, é o descolar entre a verdade e a realidade – sua base concreta. É um método sutil de emaranhar platéias incautas, como o faz as aranhas ao envolver suas vítimas, com seus fios de uma razão sórdida.

Junte-se a este princípio (da não-contradição), a retórica sofista (o irracionalismo) e estão lançadas as bases filosóficas do pensamento pós-moderno.

Renato Fialho Jr.