Artigo nº 009 - teórico
Darwinismo, não! Darwinismo, sim!
05/11/12 - É curioso observar a conduta de algumas igrejas protestantes da linha presbiteriana ou evangélica quando o assunto é darwinismo.
Seguindo a orientação criacionista (que prega a ideia de que as espécies terráqueas, assim como a espécie humana, são criações divinas), essas igrejas, e seus pastores, são fanaticamente contrárias ao darwinismo exatamente no campo teórico em que este se justifica: o campo da biologia.
Coube a Charles Darwin, naturalista inglês, a difícil tarefa de esboçar a mais elegante e consagrada teoria acerca da origem das espécies e do homem. Segundo sua tese, o desenvolvimento de uma nova espécie se daria a partir do processo de seleção natural. Ou seja: na luta por manter-se viva, cada espécie utiliza e desenvolve aptidões, armas de sobrevivência (entenda-se: habilidade, inteligência, força, caracteres 'x', 'y' e 'z') que garantiriam o tempo de vida necessário para que aquele ser vivo possa passar adiante seu material genético: produção e reprodução da vida (onde o sexo, o ambiente e a história - enfim, a evolução natural - são importantes fatores de variabilidade e enriquecimento genéticos).
Não pretendo aqui penetrar na discussão de se o criacionismo é uma ciência ou não. Até porque fica evidente que é anticiência (mas, com pretensões de ciência). Por trás da concepção criacionista há o fundamentalismo que se expressa sobretudo na ideia da infalibilidade e inerrância do texto bíblico. Como gostam de dizer certos pastores, a 'verdade' estaria na 'palavra' (ops!) e não nas evidências (provas concretas e observáveis que a ciência não cansa de reunir e apresentar).
Mas, a matéria propriamente deste artigo é outra e se condensa na pergunta: por que estas igrejas que tanto combatem o 'darwinismo biológico', não perdem tempo em adorar o 'darwinismo social'?
Sim. Tenho observado amiúde que é cada vez mais repetida a ideia de que 'Deus quer você rico'. Frases como 'Deus é fiel', 'Foi Deus que me deu', 'Só vitória!', 'Deus quer que você seja um empreendedor!' ou o 'Sangue de Cristo tem poder!' associam a questão da fé (o acreditar com fervor) com a obtenção egoísta de sucesso, milagre, poder e dinheiro.
São várias as provas para esta assertiva. Basta observar como muitas igrejas tem trabalhado a imagem de animais predadores como parte do logotipo que caracteriza a empresa-igreja: leão (a Igreja Pentecostal Leão de Judá), águia (Igreja Pentecostal Visão de Águia, entre muitas outras), tigre e outros tipos ferozes. Onde literalmente a igreja é a fera (o predador) e o fiel é o cordeiro (a presa) que pretende ser predador o mais rápido possível.
Ou seja, exatamente o darwinismo que não presta, o conhecido 'darwinismo social', ideologia individualista, cruel e imperialista desenvolvida por Herbert Spencer, que afirma a luta racista de todos contra todos e que vença o mais forte e capaz, logo este darwinismo anticientífico e cruel é incentivado e idolatrado por tais igrejas e seus pastores. Aqui não há diferença entre essas igrejas e o que faz a Rede Globo em programas como 'Big Brother Brasil', 'UFC Combate', 'The Voice Brasil' e 'Mundo S/A', onde a lógica é a eliminação de muitos (exclusão social) para a ascenção de uns poucos (os 'escolhidos' - por Deus, pelo povo ou pelo júri, não importa). É o predador vencendo a presa. O derrotado sendo engolido pelo vitorioso. E a isto gritam: 'Oh, glória!'
O escritor uruguaio Eduardo Galeano, em 'De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso', na p.56, assim se refere ao darwinismo social: ''Herbert Spencer situava no império da razão as desigualdades que, hoje em dia, são leis de mercado. Embora passado mais de um século, algumas de suas certezas parecem atuais em nossa era neoliberal. Segundo Spencer, o estado devia colocar-se entre parênteses, para não interferir nos processos de 'seleção natural' que dão o poder aos homens mais fortes e melhor dotados. A proteção social só servia para aumentar o enxame de desocupados e a escola pública procriava descontentes. O estado devia limitar-se a instruir as 'raças inferiores' em ofícios manuais e a mantê-las longe do álcool''.
Só que ao darwinismo social não lhe chamam assim. Certas igrejas preferem usar outra palavra: a palavra 'empreendedorismo'.
Renato Fialho Jr.