Artigo nº 020 - teórico

A Lava a Jato e a mídia seguem desconstruindo a democracia e o Estado no Brasil


20/11/16 - As notícias das prisões dos ex-governadores Anthony Garotinho (PR-RJ) e Sérgio Cabral (PMDB-RJ), tão comemorada pela mídia golpista e pela opinião pública por ela esculpida, seguem a mesma lógica da espetacularização que vigorou na queda da presidenta Dilma Rousseff há alguns poucos meses atrás. O denuncismo alimentado pela associação mídia-judiciário, é um denuncismo hipócrita, pois ao mesmo tempo que alega combater a corrupção, mantem inabalada a estrutura que lhe dá sustentação: o modo de produção capitalista.

Mas de fato chama a atenção o momento em que tais prisões são efetuadas: o momento exato em que o governo golpista de Michel Temer submete ao Senado a Proposta de Emenda Constitucional nº 55, recém-aprovada pela Câmara Federal com a alcunha de PEC 241. Por seu elevado poder de malignidade, a 'PEC 55' foi logo apelidada de 'PEC do fim do mundo' ou 'Pacote de Maldades'. Segundo a visão oficial, trata-se da 'PEC do Teto ou dos gastos públicos', uma “necessidade absoluta” em tempos de austeridade.

As prisões sensacionalistas de Garotinho e Cabral chegam também no exato momento em que, no Rio de Janeiro, o governador Pezão (ex-vice de Cabral) pôs em discussão um Pacote de Maldades ao nível estadual, que também busca “sanear” as contas do setor público através de uma série de sacrifícios sociais.

Como se pode notar, a população não tem o que comemorar. Num momento em que nos roubam o pão, as prisões de Garotinho e Cabral parecem muito mais com uma nuvem de fumaça colorida a nos servir de circo. Já que os governos estão a retirar o pão da população mais pobre, que tal um pouquinho de circo para distrai-la? E sigam com as 'prisões' espetaculares! E a plateia explode em gargalhadas, risos e xingamentos. E alguns espectadores, membros do respeitável público, inflam seus peitos a dizer: 'o ingresso, embora salgado, bem que valeu à pena!'.

Mas há outro agravante: as prisões servem também para empoderar ainda mais a operação 'Lava a Jato' e o Poder Midiático (o Quarto Poder) em sua missão-conjunta de diminuir (senão desmanchar) o Estado brasileiro: com os Três Poderes que o compõe.

Sim. Com a 'Lava a Jato', foi possível golpear de uma só vez a presidenta Dilma (que representava o Poder Executivo) e todos os partidos e instituições públicas do país! A 'Lava a Jato' também cumpre a tarefa de minar o Poder Legislativo (anteriormente e em grande parte comprado pelos lobbies empresariais) e o Poder Judiciário, claro! A 'Lava a Jato' fabricou uma espécie de Judiciário paralelo que tem minado o STF e criado medidas e procedimentos que estariam acima da constituição, sobretudo no aspecto das garantias individuais, expresso no direito de defesa (onde todo indivíduo é inocente até que se PROVE o contrário). Por último, a coisa se complica no Judiciário quando se observa que o TSE está nas mãos do juiz Gilmar Mendes, que não esconde que apita para o PSDB.

O PMDB (o partido do golpista Temer), que aceitou o jogo de traição contra o PT (de Dilma), vai se encaminhando para o olho do furacão criado pela 'Lava a Jato' e cujo motor é a mídia. O PSDB também concorre ao papel de Golpista Golpeado, basta ver duas notícias do site 'Brasil 247', de 19/11/16:

  • 'TSE ouve últimas testemunhas em ação que pode cassar chapa Dilma-Temer' (esta notícia demonstra a vontade do PSDB de golpear o PMDB);

  • 'Gilmar Mendes faz crítica velada a Moro e à força-tarefa da Lava Jato' (o conspirador Gilmar, conhecedor do ímpeto externo da operação, demonstra preocupação com a 'Lava a Jato' após a provável queda de Temer).

A Lava a Jato, como já confessou o próprio Moro, segue a trajetória da 'Operação Mãos Limpas' na Itália, que depois de desmoralizar a economia, os políticos e a política, e fabricar uma leva de 'analfabetos políticos', elegeu exatamente o empresário da maior rede de TV da Itália: o magnata Silvio Berlusconi. Como se pode notar, a mídia empresarial não faz mais jornalismo, faz política e é claro que em proveito próprio.

A delação premiada, por medo ou por vingança, tende a provocar uma desconfiança generalizada na classe política, atiçando a dedo-duragem e o conflito entre partidos e membros de partido até que se efetive uma mútua-destruição. E que venha um 'salvador da pátria'! Essa fórmula já conhecemos bem pelo estudo da história: é a fórmula nazifascista!

Quando os empresários se assenhoreiam do Estado-nação, como pleiteia a burguesia neoliberal por todo o mundo (através das privatizações, terceirizações, lobbies, ONGs etc.), anda próximo o fascismo. E o fascismo, construído a partir do investimento de um empresariado em crise e raivoso, precisa impor à massa uma ideologia que lhe é estranha: o (neo)conservadorismo, pois que para sair da crise econômica é preciso impor às classes sociais subalternas (a classe pobre e a classe média) uma dieta dura e uma repressão cruel (cortes sociais e opressão policial aos dissidentes). Não é à toa que o neoconservadorismo é a ideologia da plutocracia econômica estadunidense, como nos tem avisado o analista Paul Craig Roberts. E não é por acaso que essa ideologia destila preconceito, intolerância, ódio, egoísmo, falso-moralismo e guerra. Afinal, estamos diante de um modelo de Estado, o Estado neoliberal, que fica entre o Estado Mínimo e o anti-Estado: cuja meta principal é ser o avesso de Robin Hood (que tirava dos ricos para dar aos pobres). O Estado Neoliberal é o Estado do Mal-Estar Social, que se regozija e se orgulha, sadicamente, de retirar dos pobres para dar aos ricos, fabricando assim uma massa de despossuídos e desassistidos: sem saúde, educação, conhecimento, cultura e lazer. Um Estado que abandona seus cidadãos à sua própria sorte e que depois de desumanizá-los não se constrange em chamá-los de fracassados (apoiando-se para isto numa espécie de Lei de Ferro da Meritocracia).

Resta saber se a esquerda brasileira saberá se desvencilhar a tempo das armadilhas e das agendas criadas e propaladas pela mídia com seu roteiro de “golpe suave” aristocrático. Com a democracia por um triz, pois que a Lava a Jato está a desenvolver o Estado de Exceção no país, muita gente de esquerda tem caído no canto midiático da sereia de que o tal 'juiz' de 1ª Instância Sergio Moro é o super-herói (super-homem) anticorrupção.

O conceito de 'super-homem', deve-se assinalar, é proveniente da obra de Nietzsche (in: "Assim falou Zaratustra"). O filósofo, 'rebelde aristocrata' (no dizer de Domenico Losurdo), segue o caminho anti-Luzes juntamente com uma série de pensadores da época: como por exemplo Tocqueville (um positivista franco-americano) e Schopenhauer (filósofo e filólogo romântico alemão). Assim sendo, Nietzsche preferiu, batendo-se contra a Revolução Francesa (1789), a ascenção napoleônica (1800-14), as Revoluções Liberais (1848) e a Comuna de Paris (1871), uma resposta nervosa e contundente à burguesia revolucionária e ao proletariado revolucionário nas suas concepções e bandeiras (progressistas) que serviram de inspiração àquelas lutas: liberdade, fraternidade e igualdade; Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã; os conceitos de democracia, ética, altruísmo, solidariedade, felicidade, otimismo e progresso; visão histórica de futuro, busca da verdade objetiva e uso da razão crítica.

Não por acaso Nietzsche vai buscar no mito (a ideia de Super-Homem) a negação da realidade histórica (que precisa do homem racional, consciente e, por isso mesmo, ciente de sua condição de protagonista e revolucionário progressista). Nietzsche buscará assim, desde o "Nascimento da Tragédia", resgatar a grecidade clássica perdida: a Grécia dos heróis, deuses e monstros, a Grécia mitológica descrita por Homero e Hesíodo, pré-filosófica, contrária ao pensar racional filosófico. O super-homem de Nietzsche seria então a negação do homem (Nietzsche não vê diferença entre um ser humano e um verme! Sic!), a negação da práxis democrática, que empodera o cidadão comum ao garantir-lhe plenos direitos. O filósofo alemão, ao contrário, aposta exatamente naquilo que havia de mais atrasado na Velha Grécia: a naturalização da escravidão e do patriarcado, a naturalização da desigualdade entre os homens.

O nosso herói Mo(u)ro, mordido dos mesmos sentimentos, vai caminhando pela mesma estrada anti-Luzes. Basta correr atrás de uma de suas frases: "não preciso de provas, mas só de convicções". Um juiz que não precisa de provas? O que é Moro, então? Um dos membros dos 'Vingadores' ou da 'Liga da Justiça'?

E o mais sério é quando um Mercadante (PT-SP) afirma com todas as letras que o "o golpe foi dado para frear Lava Jato" (vide matéria do Brasil 247 de 20/11/16). Mas, é de 22/08/15, uma notícia que parece profanar o nosso astuto herói do Olimpo de Maringá-PR: Salário do juiz Sérgio Moro em abril (de 2015) passou de R$ 77 mil (O Dia). Além da prática de abuso de autoridade efetuada em várias prisões arbitrárias, como parece caracterizar na prisão de Garotinho por exemplo, a coisa não se dá assim tão sem interesses! Pois são mais de 77 mil por mês!

Mas, voltemos o olhar para a esquerda. Vivemos tempos em que as lideranças da classe trabalhadora estão obcecadas ou entretidas por uma visão weberiana (e igualmente romântica e liberal) da história. O sociólogo Max Weber, um idealista kantiano inveterado e liberal pessimista, via o poder como uma luta de indivíduo contra indivíduo, grupo de interesses (lobby) contra grupo de interesses (lobby), que ora se associam e ora se desassociam. Essa visão, que vem sendo estabelecida por uma mídia neoliberal e pós-moderna via programas de reality shows (como o Big Brother), tem levado tanto a ex-esquerda (hoje odiosa do socialismo e do comunismo) como parte da esquerda a ler a realidade social com base numa visão personalista da história. Isso os leva a erguer bandeiras e palavras de ordem, que ao invés de elevar o nível de consciência da classe trabalhadora, as deteriora ainda mais. Refiro-me a palavras de ordem eleitoreiras e personalistas como “Fora Pezão!”, ""Fora Dilma!", ""Fora Cunha!", “Fora Temer!” ou outras similares, quando o certo seria “Fora o neoliberalismo!”, “Fora o neoconservadorismo!”, “Fora com a plutocracia golpista!”, "Fora o mundo unipolar!", “Pela estatização das empresas corruptoras de políticos!", "Chega de lobismo!” "Pela construção de uma democracia participativa e operária!" .

Ao invés de centramos numa discussão que vá até o conteúdo político, o cerne é a questão econômica e a luta de classes, temos nos atido aos "atores sociais" e às suas "ações sociais movidas por interesses racionais", para usar uma expressão weberiana que também menospreza a razão, ao vê-la apenas como meramente pessoal, burguesa e interesseira e não como razão crítica, desinteressada, libertadora e revolucionária.

Só que para tal, será preciso repensar a prática política, reconstruir o gosto popular pela política e pela participação política, voltar a se encontrar com o povo, discutir pacientemente com ele, se livrar do ódio e do pessimismo anti-humanista que nos cerca, conciliar as bandeiras das minorias com a causa da maioria explorada, além de retomar as ideias de Marx de que é possível a transformação revolucionária do mundo. Isso tudo antes que o fascismo, com sua visão mítica, fantasiosa, midiota e grosseira, se assenhoreie da realidade!

Renato Fialho Jr.